13 de julho de 2017

Conversas sobre o Tempo: Uma História (Sentimental) da Leitura


Dia desses estava passeando na livraria e me deparei com a nova edição do Manual do Escoteiro Mirim, o que me precipitou numa viagem às minhas memórias de infância: a Biblioteca do Escoteiro Mirim, junto com a coleção do Sítio do Pica Pau Amarelo são os primeiros livros que me lembro lendo, que tiveram um enorme impacto no meu desenvolvimento como leitora - e como escritora também, especialmente aqui no blog. E isso me fez refletir um pouco em como posso pensar minha história pelos livros que li com o passar dos anos, como meus gostos foram mudando, como passei por diferentes fases com diferentes gêneros literários…

Com a Biblioteca do Escoteiro Mirim, descobri histórias de magos e espiões, de magnatas das notícias e das finanças; mitologia e experiências malucas, culinária dobraduras, formas diferentes de comunicação. Foi com eles que li pela primeira vez sobre druidas e conheci o nome de Rockfeller e Houdini; testei tinta invisível e tentei fazer strogonoff. Cada volume era dividido em várias seções, com textos curtos, mas que atiçavam minha curiosidade. Foi lendo esses livros que pensei pela primeira vez que queria escrever, talvez ser jornalista e essa foi provavelmente a primeira centelha que me levaria a criar o Coruja mais de uma década mais tarde.

A partir daí comecei a ler os clássicos. Gostava pra caramba de livros de aventura, especialmente aqueles que se passavam em tempos distantes. Por volta dos dez, doze anos, Verne e Dumas eram meus autores favoritos: A Volta ao Mundo em 80 Dias me fez ter sonhos delirantes de todas as viagens que queria fazer quando mais velha (a Grécia era o país que mais me interessava então, de tanto ler Dona Benta falando de Péricles e Sócrates ou Emília acompanhando Hércules em seus Doze Trabalhos); o capitão Nemo era um herói pessoal e dinossauros debaixo da terra me pareciam algo perfeitamente crível; caí de amores pelo Aramis - talvez minha primeira paixonite literária - chorei pelo Athos, mas também por Milady e tive pesadelos com a máscara de ferro.

Foi por volta dos doze que descobri a literatura policial. Primeiro, Sherlock Holmes, que detestei ao começar o segundo romance em que o personagem aparecia, O Cão dos Baskervilles - e muito tempo se passaria para que eu desse uma segunda chance para ele. Tentei ler também O Nome da Rosa e no processo roguei todas as pragas que podia em Umberto Eco por ser um intelectual pedante ininteligível. E aí encontrei Agatha Christie. E por quase dois anos, a Dama do Crime foi só o que me interessava ler. Foi um livro de Hercule Poirot atrás do outro com uma Miss Marple aqui e ali (embora nunca tenha realmente aprendido a gostar dela). Lá pelas tantas descobri a série Ramsés, do Christian Jaqc, que combinava muito bem com os romances de Christie pelo Egito. Sob a Acácia do Ocidente é o primeiro livro de que me lembro ter chorado a ponto de soluçar; foi uma cena tão marcante que até hoje minha mãe conta a história em reuniões de família, para deleite e risada geral.

Com quatorze anos ganhei Harry Potter e a Pedra Filosofal e, aos quinze, O Senhor dos Anéis. Os dois foram presentes de aniversário. Ambos foram o início da minha paixão pela fantasia. À mesma época li Jane Austen pela primeira vez, um pouco de romance e história no meio de muitos mundos fantásticos. Aos dezesseis descobri Pratchett e também o Pullman - li os livros da trilogia Fronteiras do Universo sentada no portão da escola, esperando a condução - e com dezessete, Gaiman, quando me deparei pela primeira vez com Belas Maldições. Já se vai mais uma década e todos esses autores continuam sendo favoritos, continuo a lê-los e relê-los, sempre encontrando algo de novo com que me deliciar.

Se tivesse de escolher um único autor favorito, seria esse cara...
O início da faculdade me fez reencontrar Eco, que, aos doze anos eu tinha odiado com todas as forças. Li Interpretação e Superinterpretação na cadeira de Hermenêutica Jurídica: quando o professor indicou o livro, tremi nas bases jurando que ia reprovar a cadeira; ao término da segunda releitura seguida do pequeno volume estava completamente apaixonada e saí atrás de todos os outros livros que podia encontrar do Eco, fossem romances, ensaios ou de artigos acadêmicos. O Pêndulo de Foucault, em especial, deixou-me quase maluca, empolgada com todas as teorias da conspiração e os usos da linguagem. Era um pouco como voltar às origens, porque as aventuras escritas por Eco tinham um pouco do sabor dos folhetins de Os Três Mosqueteiros ou O Conde de Monte Cristo, o que, aliás, me fez vibrar ridiculamente quando um certo cardeal apareceu em A Ilha do Dia Anterior.

Refletindo hoje, posso dizer que foram os ensaios literários de Eco que deram o empurrão final para a criação do blog. Eu me empolgava com a empolgação dele em falar de seus livros favoritos e isso fazia com que eu também quisesse falar dos meus livros favoritos. É bastante provável que o Coruja nunca tivesse nascido não fosse por aquele professor de hermenêutica obrigar a turma a ler Eco.

Ter um blog expandiu meus interesses, especialmente quando comecei a interagir com outras pessoas pela internet. Participei de desafios literários, o que fazia com que saísse da minha zona de conforto. Comecei a me interessar por livros de não ficção e por biografias. Em 2010 começou o Clube do Livro da Jane Austen, da qual eu era mediadora, e que depois se tornou o Clube do Livro de Bolso. Mergulhei pelos clássicos. Dei uma segunda chance a Sherlock Holmes, especialmente após a série da BBC e reli tudo o que Conan Doyle escreveu de forma frenética, anotando todas as referências para minhas próprias investigações. Entre o clube e o blog, descobri tantas histórias novas, tantos autores interessantes, gêneros que de outra forma eu talvez não tivesse me aproximado.

Se eu fosse escrever uma autobiografia desses pouco mais de trinta anos de vida - não que me interesse a ideia de escrever uma autobiografia… -, ela seria muito mais uma bibliografia. A história da minha vida através dos livros que li. Imagino o que mais há por descobrir nos anos que virão. Como todas essas leituras vão me impactar, as maneiras sutis (ou não tão sutis) pelas quais mudarão minha vida. Eu poderia citar ainda muitos autores e livros aqui nesse post, mas a verdade é que todos os outros derivaram dos que estão aqui hoje.

Enfim, essa é minha história extremamente sentimental da leitura. Qual é a de vocês?


A Coruja


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