1 de julho de 2014

Projeto Shakespeare: Bem Está O Que Bem Acaba

HELENA - Nesta carta, senhora, encontrareis meu passaporte. "Quando conseguires o anel que trago no dedo, e que jamais sairá dele, e quando puderes mostrar-me um filho nascido de teu ventre, que tenha sido gerado por mim: então poderás dar-me o nome de esposo. Mas esse "então" vale por um "nunca". Que sentença terrível.
Começo hoje confessando que estou olhando para meu volume desse livro aqui em cima da mesa e me segurando para não jogá-lo na parede e não sapatear em cima. Não gosto do Bertram. Na verdade, eu não suporto o Bertram. Minha raiva do Bertram é maior até do que minha cisma com Romeu. Eu realmente, REALMENTE não gosto do Bertram. E eu não faço a menor ideia do que bem acaba nessa história.

Tendo tirado essa questão do caminho... vamos ao que interessa.

Bem Está o que Bem Acaba é uma das comédias problema de Shakespeare (na minha opinião, mais problema que comédia...). Ele começa com uma das heroínas mais interessantes da obra do bardo: Helena.

Helena é tão inteligente quanto ambiciosa e determinada. Filha de um médico – e ela mesma bastante capaz nesse campo – ao ficar órfã é tomada sob a guarda da Condessa de Rousillion, mãe do (detestável) Bertram, por quem ela não demora a se apaixonar, a despeito do fato do moço estar de partida para servir ao rei em Paris.

Embora Bertram não demonstre nenhuma grande consideração por ela, Helena decide que deseja conquistá-lo para si mesmo assim. Para isso, ela se utiliza do fato de que o rei está doente: com seus conhecimentos, ela consegue curá-lo, quando ninguém mais o conseguia e com isso recebe do soberano a promessa de qualquer favor.

Ela pede a mão de Bertram em casamento.

Bertram surta.

O rei deu sua palavra. O casamento acontece. Mas antes da noite de núpcias, Bertram dá jeito de escapar, ao mesmo tempo em que humilha Helena da forma mais completa de que é capaz.

Posso entender que Bertram não tenha se sentido particularmente feliz com o casamento arranjado com Helena. Ainda por cima a se considerar que dentro do sistema da época, ele faz o papel da esposa prometida sem direito de voto, não do noivo que escolhe. Eu não o condenaria por se sentir enganado, preso, forçado a uma situação que entre seus pares – homens da corte, homens da guerra – só conseguem ver com escárnio.

Não importa que Helena seja jovem, bela, inteligente, independente e perfeitamente capaz de se virar sozinha. No mundo de Bem Está o que Bem Acaba, todas essas qualidades apenas depõem contra ela.

Meu problema com Bertram é a forma como ele reage a tudo isso, a crueldade com que trata Helena, a inveja – porque só posso encarar como sendo inveja – do fato de ela ter alcançado a glória e tudo aquilo que desejava ao passo que ele se vê preso a uma mulher que não quer.

A bem da verdade, mesmo antes de todo a confusão, Bertram não era exatamente uma boa bisca. E depois, ele é completamente execrável – motivo, aliás, pelo qual Helena conseguirá mais tarde suplantá-lo de novo...

Eu gostaria que Helena tivesse mostrado mais bom senso em sua escolha. É difícil entender a adoração dela por um homem que a vê como menos que a sujeira sob a sola dos sapatos. Especialmente a se considerar o quão é inteligente. Como diria D. Mãe, “Helena, minha querida, você é digna de melhor sorte”.

Mas o coração quer o que o coração quer e nada se pode fazer sobre o assunto. E assim é que entre traições e subterfúgios, temos o suposto bem acabar do título – embora eu tenha minhas sinceras dúvidas sobre o que realmente acontece após o descer das cortinas...


A Coruja


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