23 de novembro de 2013

Para ler: Nosso Homem em Havana

- O senhor nunca se preocupa com coisa alguma?

- Tenho uma defesa secreta, sr. Wormold. Interesso-me pela vida.

- Eu também, mas...

- O senhor se interessa por pessoas, não pela vida, e as pessoas morrem ou nos abandonam... Desculpe-me. Não me referia à sua esposa. Mas, se estivermos interessados na vida, ela jamais nos decepcionará. Eu me interesso pelo tom azulado do queijo. O senhor não faz palavras cruzadas, não é, sr. Wormold? Eu faço, e elas são como as pessoas: a gente chega a um fim. Posso terminar qualquer palavra cruzada no espaço de uma hora, mas tenho uma teoria, quanto ao tom azulado do queijo, que jamais chegará a uma conclusão... embora, claro, a gente sonhe que, talvez, possa chegar um momento em que... Qualquer dia lhe mostrarei o meu laboratório.

- Preciso ir embora, Hasselbacher.

- Devia sonhar mais, sr. Wormold. A realidade, em nosso século, é algo que não se deve enfrentar.
Nosso Homem em Havana é um dos livros que estava faz mais tempo na fila de espera na minha estante, de forma que o levei comigo na mala quando viajei em agosto – e fui lendo pedaço por pedaço a cada etapa da jornada, culminando no trem entre Veneza e Florença (enquanto meu vizinho da frente devorava um álbum de Corto Maltese e volta e meia me distraía com seus resmungos).

Curiosamente, eu acho que comprei esse livro justamente para lê-lo numa viagem. Inicialmente pensava que tinha ganho ele de alguém, mas tenho uma vaga memória de ler a sinopse e colocá-lo debaixo do braço – de forma que o carimbo de uma livraria em Belo Horizonte significa que o comprei quando fui a BH. Fora que ele é um volume de bolso, o que sempre prefiro quando quero ler algo em trânsito.

Seja como for, devo dizer que Nosso Homem em Havana foi uma muito agradável surpresa. Eu não conhecia o Graham Greene, nem estou acostumada com o gênero de espionagem, de forma que não tinha criado nenhum tipo de expectativa. Creio que o que me levou a comprar esse livro foi a ligação com Cuba e a Guerra Fria, que é algo sobre o que tenho pouco conhecimento para além do visto nos bancos escolares.

Enfim... o homem em Havana é um inglês, representante comercial de uma firma que vende aspiradores de pó. O senhor Wormold é um cidadão pacato, que há muito se integrou a Havana (embora Havana não tenha se integrado tão bem nele). Abandonado pela mulher, ele tem como uma preocupação na vida a filha Milly, que alterna a vida entre ser uma católica devota e carola e uma provocadora de confusões – incluindo aí o fato de ter enrolado no seu dedo mindinho o capitão Segura, reputado torturador do regime conhecido como Abutre Vermelho.

Wormold é contatado por um agente do MI-6 que quer transformá-lo em espião. Mais por inércia que qualquer outro motivo, Wormold concorda... e se a princípio ele é um espião relutante, não demora muito, quando ele percebe o dinheiro que pode fazer com tal negócio (e, por conseqüência, assegurar o futuro de Milly), para que ele esteja inventando outros agentes, bases secretas, armas de destruição em massa e outras conspirações.

O que Wormold não esperava, contudo, é que os chefões da agência engolissem com tanto gosto suas mentiras. Tampouco, que suas histórias começassem a se tornar realidade. Ou ainda, que ele se tornasse alvo de agentes de outras nações.

A história se passa antes do golpe que levou os Castro ao poder, durante o governo de Batista. À época, esse gênero literário estava começando – Ian Fleming apenas começava a publicar sua série sobre o agente Bond, James Bond – e não acho que o livro tenha produzido um grande impacto, até por ser uma clara sátira. Hoje, contudo, diante dos escândalos e trabalhadas dos serviços de inteligência e espionagem, Greene soa bastante crível.

Greene sabia sobre o que estava escrevendo, tendo sido, ele mesmo, um agente. Por isso, ainda que o tom seja farsesco e alguns diálogos e situações, razoavelmente absurdas, ele consegue nos convencer que tudo aquilo é possível, é real.

Uma excelente pedida. Recomendado, sem dúvida.


A Coruja


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