17 de abril de 2013

Quem Conta um Conto (Abril): O Conto da Lulu || Abdução


Tento segurar a respiração enquanto lanço um olhar desesperado para Mocha, rezando para qualquer divindade (e prometendo completa conversão, se necessário) que ele não nos denuncie.

Como é que nos metemos nessa enrascada? Provavelmente quando Jo disse “vamos investigar”. Ou talvez tenha sido um pouco antes, no “estou entediada”.

A quem estou querendo enganar? Fui eu quem nos meteu nessa enrascada. Talvez não de forma consciente – afinal, eu pensava estar fazendo apenas um comentário de passagem, nada que viesse a gerar frutos. Se (quando) nos pegarem, eu vou culpar os quadrinhos, os seriados de ficção científica e a febre. Talvez, se houver alguma chance de sobrevivência sem maiores traumas, eu possa admitir que o problema foi juntar a cabeça dura da Jo, a minha teimosia e a minha capacidade de falar a coisa errada na hora errada.

Porque a frase que deu início a cadeia de eventos que culminou em nossa presente situação, entalados debaixo de uma cama prestes a sermos descobertos (graças a um gato com nome de café) pela criatura mais aterrorizante que posso nomear foi:

Eu acho que minha irmã foi abduzida por alienígenas.

*~*~*~*~*

- Estou entediada.

Revirando os olhos e abaixando o mais recente número lançado de uma das minhas séries favoritas em quadrinhos, encarei Jo, nada impressionado com o novo recorde que ela acabara de bater.

- Você só está aqui há dez minutos.

- Você usualmente não é tão entediante.

Se fosse qualquer outra pessoa, eu a teria convidado a se retirar. Mas era a Jo, e nós estamos juntos desde que usávamos cueiros, seja lá o que isso signifique (talvez eu devesse perguntar à vó, já que é ela quem costuma usar essa palavra), o que significa que depois de um tempo você reconhece certas expressões como demonstrações de afeto e conseqüências naturais de um laço familiar estreito.

Claro que se eu colocar a Jo para correr, nem minha mãe nem a tia Bel ficarão muito satisfeitas, especialmente porque sendo mais velho (com a enorme diferença de três meses), eu tenho obrigação de cuidar da minha prima caçula e velar por sua felicidade.

Bizarramente, ninguém espera que minha irmã tenha o mesmo tipo de deferência para comigo, e ela é nada menos que oito anos mais velha do que eu. Dois pesos e duas medidas, eu reclamo sempre. Mas nunca ninguém quer me ouvir, então não é como se fizesse diferença.

- Eu estou me recuperando de uma gripe que me deixou de cama com febre por três dias e quase me despachou para o hospital, Jo. O que exatamente você queria que eu estivesse fazendo para entretê-la? Malabarismo com lenços de papel usados?

- Ao menos seria alguma coisa diferente.

Eu suspirei. O que mais havia por fazer? De nós dois, Joana sempre foi a mais ativa, pulando de uma coisa para a outra sem nos dar tempo algum de acompanhá-la – caindo de bicicletas, organizando piqueniques, decidindo aprender judô -, enquanto eu me sentia inteiramente confortável em não fazer absolutamente nada além de dormir, assistir filmes macabros e devorar histórias em quadrinhos como se fosse um garoto abandonado na floresta diante de uma casa feita de biscoitos.

- O que você quer fazer? – eu perguntei, tentando fazer as pazes com o fato de que logo estaria me movendo para fora da minha cama, tão certo quanto o sol é amarelo.

Minha querida e idolatrada prima, fazendo pouco da minha oferta de sacrifício, deu de ombros.

- Do que adianta? Você não pode sair e como meu pai está viajando, eu estou presa aqui com você até que minha mãe venha me buscar. Se ela vier me buscar.

Senti-me ligeiramente magoado com a declaração.

- Obrigado por comparar a minha companhia a uma prisão.

Segurei-me para não fazer algo que parecesse petulante, como tentar dar as costas a ela (e conseqüentemente enfiar a testa na cabeceira) ou cruzar os braços bufando. Jo, por sua vez, ignorante de meus esforços, revirou os olhos para mim como se eu é que estivesse sendo ridículo.

- Não seja dramático, Mário. Você sabe que isso não tem nada a ver com você e tudo a ver com o fato de que entre um plantão e outro da doutora Bel, eu talvez só veja minha mãe semana que vem. Enquanto você tem a sua todo dia. Isso não é muito justo.

Jo, que não se preocupava como eu com a possibilidade de soar petulante, cruzou os braços com uma careta, enquanto eu tentava acompanhar o raciocínio que a levara àquela variação de 360º do assunto em debate.

- E eu é que sou o dramático? – perguntei, incrédulo.

Talvez ela estivesse na TPM ou algo parecido. Melhor fugir de temas espinhosos; a essa altura não tenho muita certeza o que seria preferível, se uma Jo chorosa ou furiosa e na dúvida prefiro evitar as duas possibilidades.

Tento buscar alguma coisa em minha cabeça que pudesse distraí-la do tipo de humor para o qual ela estava descendo. Decidi compartilhar uma teoria que venho alimentando já faz um tempo.

- Eu acho que minha irmã foi abduzida por alienígenas.

Jo piscou os olhos, descruzando os braços e quase fazendo menção de se levantar do pufe que arrastara para o pé da minha cama.

- Perdão?

- Minha irmã. Eu acho que a Júlia foi abduzida por alienígenas. Talvez tenham feito uma lavagem cerebral nela. Ou implantaram algum tipo de chip que funciona por controle remoto. Talvez até tenham trocado ela por um clone. As possibilidades são infinitas.

Eu provavelmente estava com os olhos brilhando perante essa expectativa, o que explica o comentário seguinte da Jo.

- Você ainda está com febre? Talvez eu devesse ligar para o hospital e avisar minha mãe que você está delirando.

Dessa vez, não houve como me impedir de cruzar os braços emburrado.

- Eu não estou delirando.

- Eu prefiro acreditar que sim. Caso contrário, isso significa que a febre terminou de fritar seu cérebro de uma vez.

De repente, eu estava me sentindo muito cansado. Porque eu me importava se Jo estava ou não entediada quando havia todo um número de incrédulos arrogantes que acreditavam firmemente que eram o centro do universo e estavam sozinhos no meio do infinito?

Hum... talvez eu esteja com febre...

- Olha, Jo, por que você não vai... assistir televisão ou jogar paciência no computador? Você não precisa ficar me fazendo companhia nem nada do tipo, pode ir...

- Você está bravo comigo?

Ela tinha se levantado do pufe e se aproximado da cama para me encarar. Eu apenas suspirei, balançando a cabeça.

- Eu só estou cansado, Jo. Sou um convalescente, lembra? É melhor eu tirar um cochilo.

- Besteira. Você está bravo comigo. – ela se sentou pesadamente ao meu lado, fazendo o colchão ceder ligeiramente – Ok, então... vá em frente. Eu estou levando a sério agora. Por que a Júlia teria sido abduzida por alienígenas?

- Você vai rir de mim.

- Não, não vou. Palavra. Agora compartilhe suas deduções.

- Quando foi que você começou a encarnar Sherlock Holmes?

- Mário...

É um testamento à nossa longa amizade (embora às vezes eu tenha algumas dúvidas sobre a aplicação desse termo) o número de significados que se pode compreender apenas com o tom com que Jo fala meu nome. Por exemplo, agora ela está pedindo desculpas, dizendo que se importa, que está curiosa, impaciente e que sou um idiota (essa última é algo mais ou menos implícito sempre que ela usa meu nome).

- Você não percebeu nada de diferente na Júlia?

- Eu geralmente evito sempre que posso a sua irmã. Como é que eu vou perceber alguma coisa de diferente nela?

- É que a diferença é tão marcante que, na minha opinião, o mundo inteiro deveria ter percebido. Ou não... talvez essa falta de percepção seja parte do plano, talvez seja uma forma de nos conduzir a um falso senso de segurança, enquanto eles conquistam o mundo; talvez...

- Mário, você não está fazendo nenhum sentido.

Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos para conseguir explicar a situação para Jo.

- No último mês e meio, minha irmã parece ter sofrido um completo transplante de personalidade. Ela está... ela está... bem, não há outra palavra para isso, mas a Júlia está simpática. Ela me cumprimenta de manhã. Ela me pergunta se estou melhor. Ela usa meu nome em vez de apelidos irônicos. Ela some em horários estranhos e recebe ligações misteriosas de madrugada e canta no banheiro. Eu nunca ouvi a Júlia cantando, nem no banheiro, e ela é afinada! – eu terminei, tentando não notar o tom ligeiramente histérico com que eu terminara meu discurso.

- E o fato de ela ser afinada é o que mais te preocupa? – Jo arqueou uma sobrancelha, e continuou antes que eu pudesse responder – Entendo a estranheza, mas sua conclusão sobre esses fatos é que sua irmã foi abduzida por alienígenas?

- Você conhece a Julia. Não é um comportamento estranho? Na melhor das hipóteses, ela costuma me achar uma indesculpável perda de espaço; na pior, ela é uma sádica que gosta de fazer da nossa vida um inferno. Que outra explicação você encontra para essa súbita mudança de comportamento?

- Posso pensar em algumas hipóteses. – Joana se levantou quase de um pulo, sorrindo como um gato cheshire, uma expressão que nunca deixou de me inundar de pavor – Vamos investigar.

- Não. Nãnãonãonãnãnãonãnão. Não. De jeito nenhum.

- Mas não é você quem sempre diz...

- Não mesmo, MESMO, Jo. Partindo do princípio de que estamos lidando com uma forma extraterrena de vida, não é aconselhável deixá-la perceber que foi descoberta. Considerando que estamos falando da minha irmã, se ela nos descobrir, vai nos trucidar e servir de acompanhamento no jantar. Com nozes. Eu sou jovem demais para morrer.

- Você escuta o que você fala de vez em quando, Mário? O que as nozes têm a ver?

- Não, não e não.

- Você é um covarde.

- Prefiro encarar como pragmatismo. E eu estou doente.

Jo riu triunfante. Eu me encolhi antes que pudesse entender o que estava fazendo.

- Agora essa é uma desculpa esfarrapada! Você nem mesmo precisaria sair de casa para fazer essa investigação! Vamos só dar uma olhada no quarto dela e ver se encontramos alguma pista.

- Não.

- Talvez encontremos as chaves do disco voador dela.

- Jo!

- Ou a vassoura. Você sabe que a minha desconfiança pessoal sempre foi a de que Júlia era uma bruxa.

- Quem está delirando agora?

- Vamos, Mário, não seja chato... só uma olhada rápida, ver se descobrimos alguma coisa para explicar o comportamento da Júlia. Não vamos tirar nada do lugar e vamos sair antes que quer um decida voltar. Sim? Por favor?

Por que eu ainda tento resistir? E o que eu fiz, qual foi o crime tão grande que cometi para merecer a Jo como parente?

Eu sabia que não havia escapatória. Nunca fui muito bom em saber dizer não, especialmente não para a Jo, que sempre sabe exatamente como me manipular. Até porque, ainda que eu conseguisse dizer não, ela se meteria em encrenca sozinha e isso seria pior: eu me sentiria culpado por não ter ficado de olho nela e ainda receberia bronca porque, supostamente, deveria ter ficado de olho nela.

Vê isso? Não há como ganhar.

- Uma olhada rápida. Apenas um reconhecimento de campo. Nada mais que isso, Joana.

Ela assentiu com um sorriso radiante. Jo sabia que eu estava falando sério quando usava o nome dela e não apenas o apelido.

Com um suspiro fundo de resignação, eu me deixei escorregar para fora da cama e dos imediatamente saudosos lençóis, enfiando os pés nos chinelos e tentando arrumar as mangas enroladas do pijama.

Hora de rumar para o território inimigo.

Após nos certificarmos de que de fato não havia ninguém mais em casa além dos nós dois – Júlia estava na faculdade fazendo algum trabalho, minha mãe tinha saído para o supermercado e o pai só chegava do trabalho de noite -, avançamos para o quarto da minha irmã e por muito pouco eu não desmonto nos joelhos ao abrir a porta e sentir algo passar por entre minhas pernas.

Mocha, ou em seu nome completo, Mochaccino, é o gato de Júlia. Quando eu era mais novo, fiz uma verdadeira campanha para conquista do afeto de Mocha, acreditando que se o gato me aceitasse, minha irmã também o faria. O resultado foi inconclusivo: ele, como sua dona, alternava momentos de profunda indiferença à minha existência com extrema violência ao perceber que de alguma forma eu estava atrapalhando e no meio do caminho.

Tenho as cicatrizes para provar, inclusive.

Jo também não era uma particular grande fã de Mocha, já tendo sofrido em suas unhas bem afiadas. Ela fez uma careta ao percebê-lo nos observando com seus olhos oblíquos, como quem montasse guarda à porta de Júlia, repreendendo por antecipação nossas intenções.

A essa altura, contudo, não havia como evitar aquilo que nos tínhamos proposto a fazer. Ignorando o bom senso e o olhar desaprovador de Mocha, invadimos o reino proibido do quarto da minha irmã e adentramos mares nunca dantes navegados.

Talvez Jo tenha certa razão e eu esteja delirando. Mesmo para mim, eu estou soando como uma pessoa delirante. Talvez seja o medo, ele faz esse tipo de coisa com você.

Não é que a Júlia seja uma bruxa propriamente. Ou que ela seja assim tão ruim, a despeito de todo meu discurso sobre o sadismo da minha irmã. Mas a verdade é que a diferença de idade nunca nos permitiu ser exatamente próximos. Júlia tem os interesses dela, eu tenho meus interesses e faz parte da mística de ter uma irmã bem mais velha ou ser um irmão bem mais novo que sintamos um certo estranhamento. Especialmente porque nossos gostos são muito diferentes e como é a mais velha, a Júlia acha que tem direito de tentar me controlar e aí começa a confusão.

Mas o fato é que... ela está agindo de forma estranha. Júlia nunca, em tempo algum, nem em seus melhores momentos seria o tipo de pessoa que você associaria com arco-íris, filhotinhos e raios de sol... Minha irmã leva a ironia e o sarcasmo a um outro nível e ela sempre parece ter a resposta que você queria ter pensado cinco minutos atrás.

A mudança dela é assustadora – possivelmente, por causas extraterrenas – exatamente porque foi súbita e inexplicável. Minha irmã não é a pessoa que te oferece doces escondida da sua mãe porque você está doente e só pode comer coisas saudáveis, mas aquela que conta descaradamente que você escapuliu de casa quando estava de castigo para ir jogar vídeo-game com o vizinho.

Eu estava distraído com esses pensamentos enquanto olhava o conteúdo da escrivaninha da Júlia quando ouvi a porta da frente se abrindo... seguida da voz da minha irmã ao telefone.

Eu e Jo trocamos um olhar de pânico. Não havia como explicar o que estávamos fazendo no quarto da Júlia e não importa o quão mudada ela pudesse parecer nesse último mês, ela ainda nos escalpelaria vivos, e depois sapatearia até nossas sepulturas se nos encontrasse ali. Para minha irmã, o quarto dela era sagrado e eu podia fazer absolutamente qualquer coisa de irritante e escapar vivo – menos entrar em seus domínios sem permissão.

Oh, céus, eu sou muito jovem para morrer...

Felizmente (ou não, porque no final das contas a culpa é toda dela), Jo não paralisou como eu ao ouvir a chegada do apocalipse: quase sibilando, ela me puxou enquanto caía de joelhos no chão, engatinhando de imediato para debaixo da cama de Júlia.

Consegui me abrigar nos últimos segundos, quando minha irmã já abria a porta do quarto, ainda tagarelando ao telefone, jogando bolsa, livros e cadernos a esmo. Para meu completo horror, que já estava a ponto de ter um infarto, Mocha deslizou por entre as pernas de Julia e se aproximou da beirada da cama, o olhar maléfico treinado sobre mim.

Deus, Buda, Jeová, Cthulhu... qualquer um que esteja me ouvindo, por favor, permita que eu saia dessa enrascada ileso. Prometo acender incenso, me curvar em direção a Meca, dar três pulinhos e qualquer outra coisa que seja necessário para pacificar um deus alienígena vingativo... só permita que a Júlia não nos descubra aqui.

- Isso é simplesmente ridículo, Beatriz. Eu me recuso a...

Debaixo da cama, nós nos entreolhávamos tentando pensar em alguma saída daquela enrascada, enquanto minha irmã era interrompida pela outra pessoa ao telefone. Pela forma de respirar de Júlia – quase bufando – era óbvio que ela já não estava se sentindo particularmente contente (o que só se agravaria quando ela nos descobrisse escondidos debaixo da cama).

Com um giro dramático, ela se largou sobre a cama, fazendo o colchão raspar em nossas cabeças, enquanto Mocha se sentava sobre as patas traseiras, observando-nos como uma esfinge, talvez planejando a forma mais traumática possível de nos revelar.

E foi nesse preciso momento em que a tensão que entrara no quarto junto com Júlia pareceu se esvair – quero dizer, a tensão de Júlia com o telefonema, não a nossa tensão debaixo da cama, se é que estou me fazendo entender. Ela começara a balançar as pernas soltas e a rir baixinho, como uma criança, uma mudança tão súbita que chegou a me provocar tontura.

- Ok, certo, você venceu. Eu prometo que vou cuidar do seu irmão enquanto você estiver fora, Bia. E prometo que não vou partir o coração dele.

Este talvez tenha sido o momento de maior ameaça de desastre em toda essa aventura, porque do tom de voz ao conteúdo, o que minha irmã acabara de falar mudava completamente as coisas... ou confirmava de vez minha teoria. Eu estava pronto para exclamar uma invectiva quando Jo praticamente pulou (embora eu ainda não consiga entender exatamente como ela conseguiu fazê-lo considerando que estávamos debaixo da cama) em cima de mim, tapando minha boca e deixando sua bota azul (o que me fez lembrar dos sapatinhos vermelhos de Dorothy e do intenso desejo de que batê-lo nos calcanhares pudesse nos fazer sumir dali) perigosamente exposta para fora de nosso esconderijo.

Por um momento, todas as respirações estavam suspensas, mas conseguimos nos contorcer uma vez mais, ao mesmo tempo em que Júlia soltava um suspiro fundo, aparentemente encerrando sua ligação.

Instantes de corações galopantes e apavorados se passaram, até que minha irmã se levantou com um meio grunhido e enfiou-se pela porta que ia para o banheiro. Era nossa deixa. Nossa única chance, provavelmente.

- Agora. – eu murmurei por entre os dedos de Jo, que ainda tapavam minha boca – Agora. Vai, vai, vai, vai!

A essa altura, minha trilha sonora interna estava tocando Missão Impossível e foi com alguma dificuldade que me impedi de cantarolar a música enquanto rolávamos para fora de debaixo da cama, fazendo Mocha aparentemente revirar os olhos e arrebitar o nariz para nós. A porta e nossa eventual salvação estavam a apenas mais alguns passos de distância.

Obviamente, eu esperava que alguma coisa desse errado e Júlia saísse do banheiro naquele preciso momento – isso é o que aconteceria se estivéssemos num filme ou numa história surrealista escrita por uma cronista meio sem inspiração. Felizmente, a despeito de meus anseios por cenários catastróficos, conseguimos fazer nossa escapada enquanto o barulho do chuveiro começava do outro lado do quarto.

Uma vez que Júlia estivesse no banho, tínhamos pelo menos meia hora para nos reagruparmos, respirarmos fundos e tentarmos não tremer com toda a injeção de adrenalina que agora começava a se dissipar.

- Muito bem... creio que isso responda sua teoria sobre a possibilidade da sua irmã ter sido abduzida. – Jo observou com um meio sorriso.

- Está brincando? – eu me vi retrucando e querendo rir meio insanamente com toda a loucura da última meia hora ou pouco mais – Isso abre toda uma nova gama de possibilidades dentro da minha teoria inicial.

Ela parecia intrigada. Ou constipada. Ou talvez ambos. O que é estranho porque, a considerar tudo, eu não vejo como Jo poderia parecer surpresa com meu comentário.

- Eu sei que vou me arrepender de fazer essa pergunta, mas... o que exatamente no fato de sua irmã ter achado um namorado rima com sua teoria de abdução?

- Não está óbvio? – esfreguei as mãos me sentindo um vilão de desenho animado, a um passo de dar sua gargalhada maléfica. Eu provavelmente continuo febril... – O namorado é o alienígena que abduziu a Júlia!


A Coruja


____________________________________

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sobre

Livros, viagens, filosofia de botequim e causos da carochinha: o Coruja em Teto de Zinco Quente foi criado para ser um depósito de ideias, opiniões, debates e resmungos sobre a vida, o universo e tudo o mais. Para saber mais, clique aqui.

Cadastre seu email e receba a newsletter do blog

powered by TinyLetter

facebook

Arquivo do blog