20 de janeiro de 2012

Na sua estante: amores bidimensionais





#103: Amores bidimensionais
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A primeira coisa que ele percebeu ao atravessar o jardim foi que havia alguém na varanda de casa – e não eram sua irmã ou sua prima. Davi parou por um instante, observando curioso a silhueta que se desenhava por entre as trepadeiras que faziam sombra sobre a entrada, até reconhecer a figura de Beatriz.

Ah, sim... Sofia dissera alguma coisa sobre uma reunião do ‘clube do livro’, não? Que ela e a amiga faziam todo mês e para a qual tinham cooptado Dani...

Beatriz levantou a cabeça ao ouvir os passos dele e deu um meio sorriso.

- Bom dia, Davi. Noite puxada?

- Bastante. – ele respondeu, largando a bolsa de lado e sentando-se na espreguiçadeira ao lado dela – Participei de uma cirurgia de apendicite hoje. Ou ontem. Não tenho bem certeza.

Ela fez um aceno com a cabeça, enquanto alisava com o pé descalço a cabeça de Tino, deitado junto a ela. O cão abriu os olhos meio preguiçosamente para encará-lo, antes de voltar a se esticar no chão.

- É melhor você ir dormir, não? – Bia observou – Já que passou a noite no plantão? Parece que passaram com um trator por cima de você.

Ele sentiu a boca curvar-se num meio sorriso.

- Você sabe fazer alguém se sentir bem consigo mesmo, não?

Beatriz deu de ombros.

- Só estou falando a verdade.

Davi desviou o olhar para o livro que ela mantinha com o dedo marcando a página em que parara de ler.

- Hum... eu tenho a impressão de que já vi vocês lendo esse mês passado. – ele piscou os olhos – Vocês repetem livros no clube de vocês?

- Não necessariamente. Eu e Sofia já tínhamos lido, mas decidimos apresentar a sua irmã os vários motivos para ler Jane Austen. – Bia abriu um sorriso brilhante – Mês passado lemos Mansfield Park, esse mês estamos com A Abadia de Northanger e assim vamos indo até terminar toda a obra da autora. De qualquer forma, Austen nunca é demais.

- Mesmo? – ele estreitou os olhos – O que ela tem de tão bom?

- Bem, para começo de conversa, ela tem um senso de humor magnífico... e criou os heróis mais suspiráveis da literatura. Mr. Darcy é o sonho de toda garota que já tenha lido ou assistido Orgulho e Preconceito.

- Hã... – ele lançou um olhar mais atento para o volume entre as mãos pequenas da moça – Toda garota, é?

Inocentemente, Beatriz continuou, empolgada.

- Na verdade, há algumas divergências. Sofia, por exemplo, prefere o Capitão Wentworth. Ela acha Darcy muito calado, o que é, realmente bizarro, porque eu poderia jurar que ela é uma versão feminina do Mr. Darcy. Eu gosto do Darcy, mas ele não é meu favorito. Mr. Tilney é muito mais charmoso. – ela levantou seu livro – Ele tem senso de humor, é um bom irmão e entende de musselinas.

- Musselinas?

- É uma das brincadeiras do livro. – Bia se deixou escorregar um pouco na cadeira, fechando os olhos com uma expressão de contentamento – Mr. Tilney é um dos meus amores bidimensionais.

- Poderia ser tridimensional se você levar em consideração que o nome original do Tino foi dado em homenagem a ele. – Sofia observou, parando à porta com uma xícara de café na mão, apontando para o cachorro quase adormecido aos pés da amiga – O que acha? Eu posso fazer seu noivado com ele.

Bia abriu um único olho.

- E eu faço o seu noivado com Bingley?

- Me parece uma boa alternativa. – Sofia concordou com um meio resmungo – Meus cachorros são mais românticos que alguns homens que acham suas musas intercambiáveis.

Beatriz e Davi levantaram o olhar para encarar Sofia, que tinha o olhar mal-humorado perdido no horizonte.

- Eu perdi alguma coisa? – Davi perguntou.

- Se vale de algum consolo, eu também não faço a menor idéia do que ela está falando. – Bia retrucou.

Davi meneou a cabeça.

- Acho que essa é minha deixa para ir dormir, antes que acabe, de alguma forma, sobrando pra mim...



A Coruja


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Um comentário:

  1. Puxa, será que só eu sou apaixonada pelo Coronel Brandon, aquele LHYMDO?...

    (Que bom, então, hehehehehe!)

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