26 de setembro de 2011

J. R. R. Tolkien – Parte IV: A Guerra do Anel (A Terceira Era)

Numa toca no chão vivia um hobbit. Não uma toca desagradável, suja e úmida, cheia de restos de minhocas e com cheiro de lodo, tampouco uma toca seca, vazia e arenosa, sem nada em que sentar ou o que comer: era a toca de um hobbit, e isso quer dizer conforto.

J. R. R. Tolkien - O Hobbit
Com o fim da Segunda Era, Sauron retorna à Terra-média – e, de agora em diante, sem poder mais aparecer com uma aparência agradável, como aquela que conquistou os elfos antes de sua partida para Númenor. Agora não há mais subterfúgios e ele declara abertamente guerra a todos os reinos livres.

E assim é formada a última aliança entre homens e elfos, numa guerra que levará os dois grandes reis da época, Elendil, de Gondor, dos sobreviventes de Númenor e Gil-Galad, dos Noldor, a se unirem. Sauron é derrotado e Isildur, filho de Elendil, clama o Um Anel como herança de sua linhagem e reparação por suas perdas.

Ele não chega a ir muito longe, contudo. Numa emboscada organizada por orcs, Isildur é morto e seu corpo, juntamente com a jóia – somem nas águas do rio Anduin. Então “a história tornou-se lenda, a lenda tornou-se mito. E algumas coisas que não deveriam ser esquecidas se perderam”.

Mais de dois mil anos depois, o Um Anel é encontrado, caindo nas mãos de Sméagol, um hobbit.
Um membro de um povo imaginário, uma variedade pequena da raça humana, que deram a si próprios esse nome (cujo significado é “habitante de toca”), mas que eram chamados por outros de pequenos, visto que tinham a metade a altura dos Homens normais. – 316 Para R. W. Burchfield, 1970.
Não sabemos de nada disso ao começo de O Hobbit, primeiro livro da série de aventuras nas Terra-média publicado por Tolkien – e, pelas cartas dele, fica bastante óbvio que ele mesmo não o sabia.

Tolkien explica que escreveu a história para os próprios filhos, sem jamais pensar em publicá-la, até que uma aluna que trabalhava na editora Allen and Unwin acabou por convencê-lo a mostrar o trabalho para os editores. Só posteriormente chegou a perceber que aquela história fazia uma ligação com a longa obra de lendas que vinha criando desde 1917 – e que viria a se tornar O Silmarillion.

Há uma infinidade de anéis mágicos em muitas mitologias e nada, a princípio, mostrava que o anel encontrado por Bilbo nas cavernas sob a montanha dos orcs fosse de alguma forma especial.

Mas estou me adiantando, como de hábito. Quando a ação de O Hobbit começa, não sabemos de nada sobre as Primeiras Eras, sobre a escuridão lançada sobre o mundo primeiro por Morgoth, depois por Sauron, sobre as inúmeras perdas e histórias que irão se entrelaçar na aventura de Bilbo.

Tudo começa com nosso caro Bilbo Bolseiro, um hobbit pacato e respeitado do Condado, recebendo a visita de Gandalf, o mago. Bilbo conheceu Gandalf em sua infância, de forma que é com certa alegria que ele cumprimenta e estende sua hospitalidade ao mago, que acaba por envolvê-lo numa baita confusão, engabelando o pobre hobbit para partir numa aventura com treze anões atrás de um tesouro guardado pelo dragão Smaug, nas profundezas da Montanha Solitária.

No meio dessa aventura, Bilbo encontrará várias criaturas: elfos; trolls; orcs; wargs; Elrond de Valfenda, o meio-elfo; humanos; as águias; Beorn, o homem urso; aranhas gigantes; um dragão e, claro, Gollum.

Gollum nos é apresentado como uma criatura decadente, asquerosa e muito obviamente insana. O capítulo Adivinhas no Escuro em que ele e Bilbo se desafiam com charadas talvez seja uma das melhores passagens escritas por Tolkien (é, sem dúvida, uma das minhas favoritas).

Àquela altura, o Anel já quase consumira de todo a mente de Gollum, de tal forma que toda a existência dele girava única e exclusivamente em torno da jóia.

A despeito das conseqüências que aquelas adivinhas teriam mais tarde, n’O Hobbit elas são apenas um passo na jornada de Bilbo, no caminho que ele percorre entre ser uma pequena criatura aparentemente inútil e covarde até o ponto em que todos estão se voltando para ele em busca de conselhos e segurança: ao final de sua aventura, Bilbo terá demonstrado resistência, esperteza, compaixão e diplomacia, tornando-se admirado e respeitado por todos que cruzaram seu caminho (ou, pelo menos, a maioria...).

Em termos de linguagem e ação, muita gente prefere esse livro às outras obras de Tolkien. Há algo de cativante na forma como ele nos narra essa aventura, nos momentos em que se dirige diretamente a nós, leitores. Ele nos conquista com essa aparente cumplicidade, enquanto se sobrepõem cenários e situações pitorescas e repletas de humor: inesquecível o desespero de Bilbo com sua despensa enquanto mais e mais anões aparecem à sua porta ou a confusão que os trolls armam enquanto discutem como comer os prisioneiros; ou ainda a chegada em partes à casa de Beorn, ao longo da história em que Gandalf vai enrolando o homem-urso.

Gradativamente, contudo, a história adquire um tom mais sombrio. Há a ameaça do Necromante na Floresta das Trevas, que força Gandalf a abandonar seus companheiros enquanto o Conselho dos Magos delibera (e, mais tarde saberemos, aqui Saruman já conspirava). Os anões que começam como verdadeiros bufões, alívio cômico (sendo mais inúteis que Bilbo no princípio, aliás) são carregados pela cobiça. E o clímax da narrativa, antes de ser o combate com o dragão é posterior, com a Batalha dos Cinco Exércitos, que já prenuncia o que estaria por vir frente aos portões de Mordor.

Aliás, apenas quem leu O Hobbit pode entender toda a emoção por trás da chegada das Águias ao final de O Retorno do Rei. As àguias, quando já não há mais esperança, as Águias no horizonte simbolizam o triunfo final.

Mas então tudo se finda e é chegado o momento de se pôr novamente a caminho de casa – da qual Bilbo então já se lembrava saudosamente: o Condado com seus campos verdes e sua toca confortável.

É curioso que, ao reencontrarmos sua figura nos primeiros capítulos de O Senhor dos Anéis, ele se porte de maneira exatamente oposta, ansioso para partir, cansado da quietude de sua vida no Condado, ansiando pelas montanhas. Isso é bastante lógico, contudo. Uma vez tendo visto o mundo, Bilbo deseja mais aventuras, horizontes muito mais amplos, pessoas que tenham visto os mesmos lugares que ele, que tenham passado por experiências parecidas com a sua.

Frodo terá um desenvolvimento parecido ao final de sua própria jornada, mas numa escala muito maior. Ambos elevam-se acima de sua condição comum e, a despeito de todos os sacrifícios que fizeram (ou exatamente por causa desses sacrifícios), não podem usufruir do bem que lutaram por preservar ou construir.

Gandalf ter colocado os anões e Bilbo no encalço de Smaug não foi, claro, coincidência. Ele se aproveitou das circunstâncias que envolviam os anos para se livrar de um obstáculo que sabia ser bastante perigoso no momento em que Sauron retornasse ao poder – e que ele retornaria não era uma desconfiança, mas apenas uma questão de tempo.

Sauron já estava reunindo forças ao tempo em que os acontecimentos de O Hobbit se desenrolam. No momento em que conseguisse assentar-se uma vez mais em Barad-dûr, procuraria esmagar Valfenda e Lothlórien – e Smaug estava perfeitamente posicionando para liderar um ataque como esse.

É uma questão estratégica, realmente. Consciente ou não, Tolkien lança no primeiro livro um jogo de xadrez no qual os movimentos esboçados serão de vital importância na trilogia do anel mais adiante. Ao exterminar a ameaça de Smaug, comprou-se um pouco mais de tempo para os últimos dois grandes baluartes dos elfos ainda existentes, capazes de fazer frente ao Senhor do Escuro.

Mesmo sem o dragão, atacar os dois lugares seria uma tática lógica para Sauron tão logo recuperasse o poder. No momento em que tinha poder para tanto, contudo, sua atenção estava voltada para a descoberta de que o Anel não fora destruído, mas perdido e reencontrado, estando assim ao seu alcance.

Se ele não lança uma ofensiva diretamente contra Elrond ou Galadriel é por medo de ver seu poder voltar contra si próprio. O Anel tinha uma vontade, é verdade, estava carregado com a malícia e a própria essência de Sauron. Mas nas mãos de seres poderosos como os dois senhores ou Gandalf ou ainda Saruman, poderia ser usado para derrotá-lo de uma vez.

Essa é a grande tentação pela qual Galadriel passa – e também Gandalf. Eles sabem que, possuindo o Anel, usariam a jóia para fazer o bem, mas, através deles, o Anel poderia fazer muito mais mal do que no dedo do próprio Sauron, corrompendo tudo aquilo em que eles colocassem seus pensamentos.

Sem saber com quem está o Anel, Sauron não ousa declarar uma ofensiva direta. E a coisa fica especialmente confusa porque ele passa a acreditar que a jóia está no poder de Saruman e depois de Aragorn – e ao estacionar frente aos portões de Mordor com seu exército, o rei de Gondor dá a ele essa certeza (tal ação só poderia ser fruto de enorme arrogância ou do desespero... mas Sauron não conseguiria conceber a idéia de seus inimigos preferindo destruir o Anel a usá-lo contra ele.), o que dá tempo para que Frodo chegue às Fendas da Perdição e o Anel possa ser destruído.

Em todo caso... Bilbo tinha o Anel e o deixa para Frodo, seu herdeiro. Gandalf, que já desconfiava da história e influência por trás da jóia, chega à conclusão que aquele é o Um e que é necessário partir com a máxima (ahan) presteza possível, pois Gollum foi capturado e torturado e Sauron já sabe onde ele está.
Três Anéis para os Reis-Elfos sob este céu,
Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,
Nove para Homens Mortais, fadados ao eterno sono,
Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.
Um Anel para a todos governar, Um Anel para encontrá-los,
Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam
Ao fim de uma estrada cheia de perigos, Frodo chegará a Valfenda ao lado de Aragorn, o herdeiro do trono de Gondor que escolheu o exílio; seu jardineiro Samwise Gamgee e seus primos Peregrin “Pippin” Tûk e Meriadoc “Merry” Brandebuque. Lá ele reencontrará Bilbo e também Gandalf, que traz notícias da traição de Saruman; e conhecerá os outros membros que formarão a comitiva do Anel: o príncipe elfo Legolas, Gimli o anão e Boromir, filho do regente de Gondor.

Inúmeras vezes, Tolkien afirmou que sua história não era uma alegoria da Segunda Guerra – até porque ele começou O Senhor dos Anéis em 1936 e os primeiros contos da Terra-média muito antes disso, quando estava se recuperando à época da Primeira Guerra. Sauron não é Hitler; o Um Anel não é a bomba atômica. Escreve ele na introdução da trilogia “acho que muitos confundem ‘aplicabilidade’ com ‘alegoria’; mas a primeira reside na liberdade do leitor; e a segunda, na dominação proposital do autor”.

É justamente essa ‘aplicabilidade’ que faz com que a obra de Tolkien tenha se tornado tão querida do público: a despeito de ser uma obra de fantasia e, em teoria, afastada de nossa realidade, ela trata de temas universais, com personagens humanos (independente de raça, tamanho, ausência de calçados ou orelhas) e falíveis.

Os personagens da Sociedade do Anel têm de fazer escolhas, superar preconceitos e lidar com as conseqüências de seus atos. Eles não são perfeitos – nem mesmo Gandalf, que deixa passar em brancas nuvens a natureza do Anel quando Bilbo o encontra e cai vítima da traição de Saruman.

Gandalf é um capítulo todo especial da história e eu poderia escrever uma monografia só sobre a cena da ponte, quando ele enfrenta o Balrog. Existe, claro, um motivo pelo qual, a despeito de ser chamado de mago, não vemos Gandalf usar seus poderes a todo momento para facilitar o caminho.

Ao final das contas, o homem não é um ‘mago’ na acepção comum da palavra, mas um Istari, que significa no idioma quenya ‘sábio’. Como Sauron, ele é um Maiar, enviado pelos Valar para a Terra-média a fim de auxiliar os homens na luta contra o Senhor do Escuro. Ele não podia usar seu verdadeiro poder - um poder que o colocaria em igualdade ou mesmo superioridade frente ao Balrog.

A forma como Gandalf se sacrifica em Moria é o que o diferencia de Saruman e que permite seu retorno – um retorno triunfal e também mais poderoso, na versão 2.0. É apenas ao resistir à tentação de usar toda sua capacidade que ele se eleva para Gandalf, o Branco, tornando-se o primeiro de sua ordem.

Aliás, a questão da tentação está constantemente presente na história – e não se trata apenas da influência do Anel, mas da própria dualidade dos personagens. Ao contrário de algumas críticas simplistas que já vi por aí, Tolkien está longe de ser maniqueísta e nada é mais significativo desta verdade que a cena final nas Fendas da Perdição.
Do ponto de vista do narrador, os eventos na Montanha da Perdição simplesmente provieram da lógica da história até aquele momento. Eles não foram deliberadamente planejados nem previstos até que tivessem ocorrido. Porém, em primeiro lugar, ficou bastante claro por fim que Frodo, após tudo o que aconteceu, seria incapaz de destruir voluntariamente o Anel. Refletindo sobre a solução após esta ter ocorrido (como um simples evento), acredito que ela seja central para toda a “teoria” da nobreza e heroísmo verdadeiros que é apresentada.
(...)
Não acho que o fracasso de Frodo foi moral. No último momento a pressão do Anel alcançaria seu máximo — impossível, eu deveria ter dito, para qualquer um resistir, certamente após uma longa posse, por meses de tormento crescente e estando faminto e exausto. Frodo havia feito o que podia e havia se exaurido completamente (como um instrumento da Providência) e havia criado uma situação na qual o objetivo de sua demanda não poderia ser alcançado. Sua humildade (com a qual começou) e seus sofrimentos foram devidamente recompensados com a maior honra; e seu exercício de paciência e compaixão para com Gollum valeram-lhe a Misericórdia: seu fracasso foi reparado.
(...)
Frodo empreendeu sua demanda por amor — para salvar o mundo que conhecia do desastre ao custo de si próprio, caso pudesse; e também em completa humildade, reconhecendo que ele era totalmente inadequado para a tarefa. Seu compromisso real era apenas fazer o que pudesse, tentar encontrar um caminho e ir o mais longe na estrada que sua força de mente e corpo permitisse. Ele fez isso. Eu mesmo não considero que a destruição de sua mente e vontade sob pressão demoníaca após o tormento foi um fracasso moral mais do que a destruição de seu corpo teria sido — digamos, ao ser estrangulado por Gollum ou esmagado por uma pedra que caísse.
– 246 Para Eileen Elgar, 1963.
Sauron é, bem verdade, retratado como o mal absoluto, assim como seus servos. Não vou entrar aqui em psicologia de orcs para compreender até onde seus problemas com o resto do mundo advém de serem um grupo de criaturas incompreendidas que não tiveram mãe (são filho de chocadeira... HUAHUAHUA...); mas é bom nesse ponto também lembrar que a história não começou no aniversário de cento e onze anos de Bilbo, mas muito, muito antes.

Não é apenas essa falibilidade que nos permite criar empatia com os personagens. No final das contas, num elenco de pessoas extraordinárias, os grandes heróis são os Pequenos, os hobbits, que nada tinham de especial – não eram particularmente sábios, não eram nobres, não eram fortes guerreiros, e no grande esquema da política do mundo, significavam menos que formigas.

E, ainda assim, são eles que levam a demanda até o final, que contribuem para a derrota dos vilões – sem Merry e Pippin para açular os ents, Saruman teria continuado em sua agenda de dominação mundial e evolução tecnológica e sem Frodo e Sam para chegar à Montanha de Fogo, o Anel não teria sido destruído.

Eu gosto de todos os personagens de O Senhor dos Anéis, mas meu favorito é, sem dúvida alguma, o Sam. Samwise me emociona com sua lealdade simples, com sua sabedoria de provérbios, com sua firme praticidade. Ele erra um bocado com o Gollum, é claro e não duvido que se tivesse tentado ser menos beligerante, Gollum poderia ter tido alguma espécie de regeneração – não uma redenção por seu papel na destruição do Anel, vejam bem, mas pela sua real afeição a Frodo.

Ao final então, o que nos resta? Escrevi uma pá de páginas e sequer arranhei o colosso genial que é a obra que Tolkien nos legou. E eu poderia passar o resto do ano aqui, escrevendo que ainda não conseguiria me aprofundar o suficiente. O Senhor dos Anéis e todos os outros livros que seguem a História da Terra-média são assunto para a vida toda.

Mas, no final das contas, o que importaria realmente? Mais que uma análise quase acadêmica, meu propósito com esse especial é declarar publicamente meu amor por esta que é uma das minhas histórias favoritas – e, para fazê-lo, não existem melhores palavras que as do próprio Sam e Frodo, nas escadarias de Cirith Ungol:
- Os feitos corajosos das velhas canções e histórias, Sr. Frodo: aventuras, como eu as costumava chamar. Costumava pensar que eram coisas à procura das quais as pessoas maravilhosas das histórias saiam, porque as queriam, porque eram excitantes e a vida era um pouco enfadonha, um tipo de esporte, como se poderia dizer. Mas não foi assim com as histórias que realmente importaram, ou aquelas que ficam na memória. As pessoas parecem ter sido simplesmente embarcadas nelas, geralmente — seus caminhos apontavam naquela direção, como se diz. Mas acho que eles tiveram um monte de oportunidades, como nós, de dar as costas, apenas não o fizeram. E, se tivessem feito, não saberíamos, porque eles seriam esquecidos. Ouvimos sobre aqueles que simplesmente continuaram — nem todos para chegar a um final feliz, veja bem; pelo menos não para chegar àquilo que as pessoas dentro de uma história, e não fora dela, chamam de final feliz. O senhor sabe, voltar para casa, descobrir que as coisas estão muito bem, embora não sejam exatamente iguais ao que eram — como aconteceu com o velho Sr. Bilbo. Mas essas não são sempre as melhores histórias de se escutar, embora possam ser as melhores histórias para se embarcar nelas! Em que tipo de história teremos caído?

- Também fico pensando — disse Frodo. — Mas não sei. E é assim que acontece com uma história de verdade. Pegue qualquer uma de que você goste. Você pode saber, ou supor, que tipo de história é, com final triste ou final feliz, mas as pessoas que fazem parte dela não sabem. E você não quer que elas saibam.

- Não, senhor, claro que não. Veja o caso de Beren: ele nunca pensou que ia pegar aquela Silmaril da Corôa de Ferro em Thangorodrim. E apesar disso ele conseguiu, e aquele lugar era pior e o perigo era mais negro que o nosso. Mas é uma longa história, é claro, e passa da alegria para a tristeza e além dela — e a Silmaril foi adiante e chegou a Eärendil. E veja, senhor, eu nunca tinha pensado nisso antes! Nós temos — o senhor tem um pouco da luz dele naquela estrela de cristal que a Senhora lhe deu! Veja só, pensando assim, estamos ainda na mesma história! Ela está continuando. Será que as grandes histórias nunca terminam?

- Não, nunca terminam como histórias — disse Frodo. — Mas as pessoas nelas vêm e vão quando seu papel termina. Nosso papel vai terminar mais tarde — ou mais cedo.

- E então poderemos descansar e dormir um pouco – disse Sam. Sorriu de um modo sombrio. — E quero dizer exatamente isso, Sr. Frodo. Quero dizer um simples descanso comum, e sono, e acordar para uma manhã de trabalho no jardim. Receio que isso seja tudo que estou esperando todo o tempo. Todos os grandes planos importantes não são para pessoas como eu. Mesmo assim, fico imaginando se seremos colocados em canções e histórias. Estamos numa, é claro; mas quero dizer: transformados em palavras, o senhor sabe, contadas perto da lareira, ou lidas de grandes livros com letras pretas e vermelhas, anos e anos depois. E as pessoas vão dizer: “Vamos escutar sobre Frodo e o Anel!” E eles vão dizer: “Sim, essa é uma de minhas histórias favoritas. Frodo foi muito corajoso, não foi, papai?” Sim, meu filho, o mais famoso dos hobbits, e isso significa muito.”


(Continua em O Senhor da Fantasia...)


A Coruja


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